Nesses
primeiros dias deste já conturbado 2014, uma expressão saiu dos círculos
juvenis e ganhou ampla disseminação pelos meios de comunicação e pelas redes
sociais: o “rolezinho”. Como se tornou corriqueiro no Brasil nos últimos
tempos, de imediato ergueram-se barricadas com ferozes antagonistas: de um
lado, entusiastas defensores da iniciativa; do outro, uma variada fauna, que
vai de clientes insatisfeitos a rancorosos críticos da imperdoável quebra do
tácito acordo social estabelecido: o de que pobre, jovem, negro e morador da
periferia não deve entrar nos shopping centers.
Entre cenhos
franzidos, punhos cerrados e impropérios de parte a parte, o elementar ficou de
fora: o entendimento mínimo desse fenômeno que, abruptamente, colocou em
segundo plano até mesmo as manifestações de rua que recomeçaram em diversas
capitais no final de semana.
A melhor definição do fenômeno veio do jovem
identificado como o primeiro organizador de uma “rolezinho” lá em Guarulhos, na
Grande São Paulo. Segundo ele, a iniciativa nada mais é que a reunião de
dezenas (ou centenas) de jovens que desejam se divertir, passear, namorar,
tomar sorvete. Noutras palavras, ver e ser visto, o que constitui anseio natural
de qualquer adolescente, rico ou pobre.
O quiproquó
começa porque não existem espaços públicos minimamente estruturados para
receber esses jovens. Equipamentos públicos costumam estar degradados ou,
então, são evitados em função do onipresente fantasma da violência que vitima
justamente os mais jovens e os mais pobres. Diante da falta de alternativas,
esses garotos optaram pelos shoppings centers, o que deu início à polêmica.
Truculência
A desmedida
violência da Polícia Militar de São Paulo contra esses garotos, em um shopping
paulista, foi a gota d’água que faltava.
E o caldo entornou de vez quando os oportunistas – de direita e de esquerda –
resolveram capitalizar o fenômeno ou demonizá-lo. Os alternativos de esquerda
levantaram a bandeira hippie do anti-consumismo
e a direita ultrapassada se escandalizou com a petulância da garotada.
O fato é que
hoje, objetivamente, pais, professores, governantes e demais autoridades,
forjadas sob os padrões educacionais que antecederam essa vertiginosa revolução
tecnológica, não sabem lidar com essa garotada que mal completou a segunda
década de vida – ou nem isso, em muitos casos. Para essa geração mais idosa,
hierarquias e instituições intimidam e, em muitos casos, inspiram um respeito
quase sagrado.
A garotada dos
dias atuais é iconoclasta. É adepta do sistema de relações horizontalizadas das
redes sociais e, costumeiramente, alimenta pouco apreço pelos padrões rígidos e
estanques do passado, com suas hierarquias e seus ritos. É mais da atitude que
do discurso, mesmo da retórica revolucionária
do passado. Daí o recente choque de gerações, que vem colocando os mais velhos
em polvorosa.
Políticas
No fundo, a
polêmica do “rolezinho” se dá em função da ausência de políticas públicas para
a juventude. O fenômeno assumiu esse caráter mais politizado a partir da
violenta repressão da Polícia Militar. Mas, em essência, percebe-se que muitos
anseios dos jovens permanecem frustrados, porque quem elabora políticas são os
mais velhos, guiados pela lógica tradicional, que ignora a importância política
de juventude.
A imprensa
feirense divulgou que um “rolezinho” também foi agendado na cidade. Pelo visto,
como tem caráter reivindicatório, é mais um protesto que, propriamente, um
fenômeno similar ao de São Paulo. Diga-se de passagem, o protesto é oportuno: aqui
não existem alternativas de entretenimento para a juventude que não tem
dinheiro para ir aos shoppings e a violência ultimamente alcançou patamares
alarmantes, atingindo sobretudo a garotada pobre.
Resta saber se
as autoridades tem disposição de conversar com a juventude. Os últimos
acontecimentos mostraram que não. A própria Câmara Municipal – a quem caberia o
papel de interlocução – vive escondida detrás de tapumes róseos, refugiando-se
em discussões estéreis e inúteis.
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