Pular para o conteúdo principal

Um pouco da simetria do centro feirense

           
          
Uma das maiores virtudes da Feira de Santana é o seu traçado urbano. As ruas largas e os quarteirões bem organizados transmitem uma sensação de planejamento que é realçada por um feliz fator geográfico: a escassez de ladeiras e a ausência de declives acentuados, como as encostas que tornam Salvador mais feia. Essa condição atenua os efeitos da ocupação desordenada de certos espaços urbanos e impede a ocorrência de grandes tragédias, como os deslizamentos de encostas que acontecem em períodos chuvosos.
            A cidade deve o traçado organizado, além do próprio planejamento bem elaborado, ao seu desenvolvimento tardio: somente a partir dos anos 1960 é que a zona urbana começou a se expandir de forma mais acelerada. Até então, a população majoritariamente rural afetava pouco a paisagem citadina com fluxos migratórios mais intensos.
             Naquela época a Feira de Santana se limitava aos tímidos arruamentos que se irradiavam a partir da Praça da Matriz e que foram, aos poucos, dando forma aos becos estreitos que até hoje existem. Mais perto da igreja estão os becos de Santana, do Mocó e da Energia.
            Mais distante fica o calçadão da Sales Barbosa, a antiga rua Direta cujas formas são herança dos tempos em que havia poucos carros em circulação pela cidade. Exclusivamente comerciais, esses espaços hoje sofrem com o fluxo intenso de pedestres e com as dificuldades de acesso para quem se locomove de carro e não tem onde estacionar.

            Ruas Largas 

Bairros limítrofes do centro feirense como a Kalilândia contam com ruas largas, ausência de curvas e quarteirões verdadeiramente quadrados. Essa cuidada geometria urbana é mais apreciável nos dias de pouco movimento, como as ensolaradas manhãs de domingo ou nos feriados, quando os automóveis repousam nas garagens.
            Em meio aos inquietos silêncios dessas manhãs, é possível enxergar o horizonte longínquo que, à medida que o meio-dia se avizinha, vai se tornando trêmulo em meio às ondas de calor que se desprendem do asfalto.
            Nesses dias a Feira de Santana nem se parece com a Feira de Santana do mercadejar incessante, do intenso ir-e-vir dos passantes apressados, dos produtos apregoados pelos carros de som e pelos alto-falantes nas portas das lojas. Paira, precária, uma trégua fugaz, como o vento que sacode as folhas nas árvores da Getúlio Vargas.

            Rotina

            A rotina do centro feirense, no entanto, vai se impondo nos pequenos detalhes. Ali pelo calçadão da Sales Barbosa há sempre um ambulante arrumando uma barraca, uma lixadeira escandalosa nas mãos do serralheiro que cuida da fachada de uma loja ou taxistas e motoqueiros que aguardam passageiros incertos nos pontos.
            Esse é o centro nervoso da Feira antiga, cuja vocação comercial não se suaviza nem nos dias em que o feirense bebe nos botequins dos bairros, acompanha os rituais religiosos com roupas formais ou simplesmente se dedica à programação televisiva enquanto aguarda o almoço.
            No mais, as ruas largas e longas espicham-se em meio ao calor crescente, perdendo-se na linha imaginária do horizonte urbano. Para quem caminha despretensiosamente pelo centro da Feira de Santana, essa a é única linha incerta no simétrico traçado urbano da cidade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express