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A Feira, a ponte e a reconfiguração logística


          
            Há quase duas semanas o Governo do Estado publicou decreto declarando de utilidade pública algumas áreas na Ilha de Itaparica. A iniciativa representa mais um passo para a construção da ponte entre Salvador e a ilha, que integra o projeto do Sistema Viário Oeste. Objeto de inúmeras controvérsias durante a campanha eleitoral de 2010, a proposta suplantou a condição de devaneio, passou pela etapa de obra faraônica para, por fim, delinear-se como um projeto factível no longo prazo. Estima-se que, por volta de 2018, a ponte esteja pronta.
            Em função das inúmeras dificuldades para a concretização do projeto, talvez a obra só esteja finalizada no início da próxima década. O intenso debate sobre a necessidade da construção da ponte, no entanto, serviu para evidenciar a sua importância como vetor de desenvolvimento econômico para a Bahia. Muitos, que resistiam, aos poucos se convencem da importância da iniciativa.
            Mais do que servir aos imperativos da expansão urbana de Salvador, a ponte vai induzir a dinamização econômica do Recôncavo, resgatando para o circuito produtivo e tornando competitivos municípios que, por décadas, penaram com os custos decorrentes da precária infraestrutura viária da região.
            Os investimentos complementares programados também vão beneficiar regiões mais distantes. É o caso do Litoral Sul, cuja ligação com Salvador vai ser encurtada; e o Oeste e a Chapada Diamantina, que contarão com uma alternativa viária a partir da BR 242 no Rio Paraguaçu, cortando o Recôncavo e alcançando Salvador a partir da ponte.

            Feira de Santana

            Essa reconfiguração logística da Bahia inevitavelmente vai afetar a Feira de Santana: assim como o município foi o principal beneficiário da adoção do modal rodoviário na primeira metade do século XX – em detrimento do Recôncavo – o oposto tende a acontecer quando o sistema Viário Oeste estiver em pleno funcionamento.
            Dezenas de municípios do Recôncavo e do Baixo Sul, que preferencialmente se articulam com a Feira de Santana em função das facilidades viárias, terão mais alternativas no futuro. Embora ainda seja difícil estimar, é provável que Santo Antônio de Jesus e Amargosa estejam entre os principais beneficiários dessas mudanças.
            A princípio desenha-se uma fragmentação no raio de influência comercial da Feira de Santana. Consumidores de municípios dinâmicos localizados mais ao Sul deverão aos poucos buscar os mercados prósperos que, paulatinamente, se consolidarão como opções atraentes. O impacto desse movimento sobre a economia da Feira de Santana precisará ser mensurado no futuro.

            Alternativas

            A relação da Feira de Santana com os municípios ao Norte não deverá sofrer transformações radicais. A questão é que as perspectivas de desenvolvimento mais promissoras que se desenham com esses investimentos não favorecem o município, que tende a perder importância relativa na economia do estado.
            Para atenuar os efeitos que se desenham, é necessário o fortalecimento do potencial logístico da Feira de Santana. A encrenca que envolve a BR 324, a novela do Anel de Contorno que se arrasta há muito tempo, a revitalização e o aproveitamento do aeroporto que permanece uma incógnita e a interligação ferroviária, que incorpore o município a esse modal, são imperativos para sustentar a competitividade com a nova configuração logística que se desenha.
            Solucionar esses problemas exige planejamento. As intermináveis lamúrias sobre o descaso do Governo do Estado fustigam o bairrismo e ajudam a oposição em períodos eleitorais, mas contribuem pouco na superação dos desafios. No ano que vem tem eleição e é extremamente desejável que os postulantes ao Paço Municipal pensem nessas questões em seus programas de governo...

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