Pular para o conteúdo principal

A educação à sombra dos viadutos

-->
                       
           Inicialmente causou estranheza o silêncio com que foi recebida a notícia que a educação básica na Feira de Santana está entre as piores do Brasil, num ranking divulgado por uma revista de circulação nacional. O levantamento, que levou em consideração apenas as maiores cidades do país, baseia-se em dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Depois se notou que, por banal, a notícia não provocaria grande repercussão: afinal, apenas se constatou de fato de uma situação amplamente percebida há muitos anos.
            Atribuiu-se o desempenho ao calamitoso estado físico das escolas públicas. Muito ágil, a prefeitura divulgou nota esclarecendo que a avaliação se referia ao período do mandato anterior, encerrado em 2008. E afirmou que investimentos foram realizados desde então, transformando a realidade escolar a partir da época do levantamento.
            Para além das disputas eleitorais entre o atual prefeito e seu antecessor, a situação da educação básica na Feira de Santana merece reflexão. O próprio silêncio com que a notícia foi recebida atordoa e exige compreensão: além das desculpas esfarrapadas e justificativas de praxe, nada de consistente veio à tona.
            O silêncio dos segmentos interessados na questão também é eloqüente: das entidades empresariais – que, em tese, tem interesse em dispor de mão-de-obra qualificada – aos sindicatos dos professores – que só vem a público para exigir aumento salarial – ninguém se manifestou. Os próprios pais dos alunos, ao que parece, não estão muito interessados em discutir educação de qualidade.

            Obras

            O roteiro da sucessão municipal é sintomático desse descaso pela educação. Só se fala em “grandes obras”: captação de empréstimos para construção de incontáveis viadutos de prioridade duvidosa, milhares de toneladas de asfalto para cobrir o calçamento das ruas centrais e – onde não existe calçamento – milhões de paralelepípedos para camuflar os esgotos a céu aberto.
            Esse cenário de “grandes obras” se arrasta há, pelo menos, uma década. A explicação para a questão é singela: as “grandes obras” estão à vista e fortalecem a sensação de progresso que a propaganda oficial busca alardear. Educação de qualidade não produz efeitos imediatos, não é visível fisicamente e é mais difícil de ser politicamente apropriada.
            Investir em educação também é uma estratégia eleitoralmente arriscada: eleitores emancipados costumam são menos previsíveis e tendem a rejeitar os arcaicos instrumentos de dominação política ainda bastante empregados no Brasil, em geral, e na Bahia, em particular.

            Alternativas

            A situação não significa, necessariamente, que a Feira de Santana tem que permanecer refém dessa perversa lógica política. Afinal, várias dezenas de municípios brasileiros têm educação com mais qualidade e desfrutam de situação econômica mais confortável. Parte da diferença se dá no nível de mobilização da sociedade por uma educação melhor.
            Sindicatos de trabalhadores, vinculados à educação ou não, associações empresariais e de classe, associações comunitárias e religiosas tem a obrigação de se engajar nesse debate. E dispõem de uma excelente oportunidade para cobrar um plano para a educação feirense: ano que vem acontecerão eleições municipais e os pré-candidatos devem ser convidados a expressar o que pensam sobre o tema.
            Para além da costumeira demagogia, das promessas genéricas e dos chavões surrados, o aprimoramento da educação é factível com um planejamento prévio. Esse planejamento, a propósito, não é prerrogativa exclusiva dos governantes e deve ser compartilhado com a sociedade, o que revela sintonia com os tempos modernos.
            É, inclusive, mais moderno que a retórica progressista que justifica os viadutos...             

           

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express