Semana passada abordamos um fenômeno curioso que vem ocorrendo na Feira de Santana nos últimos anos: o retorno de camelôs e feirantes às ruas do centro comercial, mesmo com a resistência de muitos comerciantes e com a existência de um Centro de Abastecimento (CAF) que, em tese, deveria absorver esses vendedores. Há em curso, portanto, um processo de “retorno” da antiga feira-livre ao centro da cidade, depois da remoção, três décadas atrás, para o CAF. Esse processo, a propósito, não tem nada de novo e remonta a apenas alguns anos após a realização da transferência.
Conforme apontado, o retorno não se deu sem conflitos: os protestos de lojistas são constantes, eventualmente a prefeitura reordena os espaços e solta o “rapa” para reprimir e apreender mercadorias dos ambulantes, mas os problemas sociais enfrentados pelo país acabam empurrando muitos, sem alternativa, para a atividade.
Até o início da segunda metade do século XX a feira-livre era o principal motor da economia feirense: direta ou indiretamente boa parte da população dependia da atividade e era natural, portanto, que a lógica de ocupação dos espaços urbanos se submetesse à própria lógica da feira-livre.
A industrialização dos anos 1960, a expansão urbana e o fortalecimento comercial puseram em xeque a precedência da feira sobre a ocupação dos espaços. Surge, pois, o poder público para mediar o conflito, lançando a proposta de construção do CAF e reservando o centro comercial para atividades mais “nobres”: bancos, grandes lojas e empresas prestadoras de serviços.
Transformações
A mudança forçada produziu insatisfações que se desdobraram nos anos seguintes. Essas insatisfações resultaram em conflitos, que obrigaram a prefeitura a atuar continuamente na mediação. Daí o surgimento do “Feiraguai” e dos pequenos espaços para comercialização de frutas e verduras, quando se tentou concentrar o que se espalhava desordenadamente pelas ruas do centro.
Os conflitos no centro da cidade, as dificuldades de acesso que foram surgindo e a própria especulação imobiliária produziram um efeito interessante: a desconcentração de algumas atividades mais “sofisticadas” das ruas centrais. Similar aos que ocorreu em outras grandes cidades, mas com inegáveis particularidades.
Nesse contexto surgiu, portanto, o primeiro grande shopping center na avenida João Durval, distante cerca de 3,7 quilômetros do centro da cidade. Os bancos, por sua vez, priorizaram a abertura de novas agências em pontos mais distantes da aglomeração dos feirantes e camelôs, nas avenidas Getúlio Vargas e Maria Quitéria.
Reconfiguração
Houve, inclusive, o surgimento de boulevards e de algumas lojas ao longo da Getúlio Vargas, mais afastadas do centro comercial, fortalecendo esse processo decretado pelos bancos e grandes empresários. A redução dos conflitos favoreceu a ampliação do número de camelôs e feirantes, fortalecidos pelo crescimento econômico mais visível nos últimos anos.
A atividade comercial na Feira de Santana perdeu a homogeneidade característica das primeiras etapas das atividades mercantis, ganhando complexidade à medida que surgiam setores econômicos robustos, como a indústria, os serviços e o próprio comércio, em parte desvinculado da clientela da tradicional feira-livre.
Uma das faces dessa transição foi o conflito inicial pelas áreas mais nobres do centro da cidade. Posteriormente, o crescimento foi responsável pela adoção de novas estratégias locacionais pelos segmentos mais abastados, reduzindo as tensões e permitindo a “retomada” da antiga feira-livre sob novas nuanças, apontadas no artigo da semana passada.
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