Como
todo mundo sabe, as restrições impostas pela pandemia da Covid-19 limitaram
muito a vida. O isolamento social e as restrições aos deslocamentos, os
cuidados indispensáveis em ambientes coletivos e o permanente receio de
contaminação mudaram drasticamente a rotina. O pior é que, em função da
negligência e da omissão do desgoverno lá no Planalto Central, a pandemia vem
se arrastando indefinidamente. Crise sanitária e caos econômico se entrelaçam, retardando
a retomada, bloqueando a luz no fim do túnel.
Desarvorado,
sem a rotina bruscamente interrompida, o cidadão, às vezes, é ferido pelo
cutelo da saudade. Funciona assim: num determinado momento, a mente repousa,
serena ou fatigada. E aí as lembranças emergem, num redemoinho que é impossível
de conter. Quando se dá conta, a cabeça já mergulhou numa viagem em direção ao
passado.
O
rádio ligado costuma ser um estopim constante. Inesperadamente, vem de lá uma
canção familiar – e querida – que desperta recordações ardentes. Na lufa-lufa
habitual, talvez passasse despercebida: nem sempre o sujeito tem tempo para
essas sentimentalidades. Mas, com a pandemia, as sensibilidades afloraram.
Quando vem à mente a recordação do horror que vai se vivendo – político,
econômico, ético, moral, sobretudo civilizatório – aí tudo se torna mais
pungente.
Depois
de atravessar diversas fases de recordações, eis que nesta segunda-feira – de céu
azul magnífico e morna luz de outono – desperto com saudades da Feira de
Santana da segunda-feira. Não destas que rolam aí hoje, exangues, cheias de
apreensão. Mas daquelas manhãs vibrantes, do mercadejar incessante, do povo que
compra, vende, fala, anda, grita, espera, vive. E até é feliz.
Nelas,
o povo desperta quando a escuridão nem se dissipou e vai movimentar o Centro de
Abastecimento, as estradas que conduzem à cidade, as clínicas, as faculdades,
as caóticas ruas e avenidas do centro da cidade. Ao meio-dia uma trégua curta
por causa do sol e do almoço. Depois, reata-se a agitação, o mercadejar febril.
Por fim, lá pelo meio da tarde, quem é de fora – dos distritos e povoados
feirenses, das dezenas de cidades das cercanias – começa a frenética procissão
de retorno para casa.
Às
segundas-feiras, mesmo quando a noite cai a Feira de Santana não se esgota de
todo. Há quem estique o expediente, atendendo os derradeiros clientes; outros,
nas mesas dos bares e restaurantes, celebram os lucros quando a jornada é
proveitosa. O fato é que mesmo quando a cidade mergulha na noite há um fiapo de
energia mercantil no ar, que eletrifica a atmosfera. Só às terças-feiras –
quando já não há clima de feira-livre – é que esse clima se desfaz.
A
extrema-direita no poder – que tanto fala em dinheiro – tornou enferma a
economia brasileira e estrangulou a economia popular, que estertora. Inclusive
aqui na Feira de Santana. Mas um dia esta gente retorna aos esgotos ideológicos
de onde nunca deveria ter saído.
Aí,
quem sabe, todo mundo volta a viver como a vida deve ser vivida.
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