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Lembranças de Havana (I)

 
Aos poucos o ronco surdo do motor vai se tornando distante e o avião mergulha através de uma diáfana camada de nuvens avermelhadas. Agora é possível perceber as minúsculas gotas d’água que brilham e se desprendem, num rodopio, das asas alvas da aeronave. Lá embaixo apenas se intui o mar do Caribe, escuro e úmido na noite sem lua, de nuvens baixas.
            Mais alguns instantes e fiapos de nuvens sanguíneas deixam entrever luzes distantes. Mais um pouco e se vê a faixa clara de areia de uma praia, onde o mar espumeja, furioso; num trecho recortado, as luzes se condensam e surge um aglomerado de casas amplo o suficiente para constituir uma pequena cidade: dessas alturas, obviamente é impossível descobrir o nome do lugar.
O coração do viajante bate acelerado: visitar Cuba assume a dimensão de um compromisso marcado com a História. Neste caso, todavia, é a realidade que vai além da metáfora: Cuba, Fidel e o Che representam um capítulo singular na América Latina recente.
Essa importância se mensura pelo volume de livros que se amontoa em sebos e livrarias Brasil afora: exaltações ingênuas ao regime, vituperações apocalípticas de inimigos rancorosos e – mediando a copiosa literatura – esforços honestos, mas nem sempre equilibrados, de tentativas de interpretação.
O anúncio que, em 15 minutos, o avião aterrisará no Aeroporto Internacional José Martí interrompe as reflexões. São quase duas da manhã e muitos passageiros, entregues ao sono intranqüilo da viagem, despertam se preparando para o desembarque.
Duas horas antes o avião levantara voo do elegante aeroporto de Panamá City. Uma longa fila em polvorosa antecedera a decolagem. Notava-se uma discreta ansiedade de passageiros e mesmo dos funcionários da companhia aérea, que tentavam ordenar a fila exigindo de todos a exibição da “tarjeta” que permite o desembarque em Havana.
A agitação dos caribenhos destoava dos passageiros sisudos que embarcavam, com elegantes trajes de cor sóbria, para a Europa ou para os Estados Unidos. Outros, mais festivos, aguardavam conexões para os prazerosos destinos caribenhos ou de lá retornavam, exibindo corpos bronzeados.
O avião atravessa a ilha e, espaçadamente, são vistos focos de luz iluminando construções e ruas sem pavimentação. As luzes, todavia, são pálidas, fugidias;  destoam da orgia de cores que afugenta a escuridão nas grandes metrópoles capitalistas.
“Será racionamento de energia? Ou é alguma disposição de espírito?”. Quase 24 horas de viagem e a madrugada que avança insone podem produzir esses efeitos. É melhor aguardar, porque já se anuncia a autorização para o pouso.

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