Que a Câmara Municipal se
especializou na distribuição de comendas e medalhas não é novidade. Boa parte da
população, inclusive, sabe da prática. Antigamente a concessão era mais avara,
havia algum critério, resquícios de pudor. Hoje se desavergonhou: pelo plenário
desfilam ilustres desconhecidos saudados com discursos chochos, enfatiotados em
paletós pouco habituais, gaguejando as virtudes da Feira de Santana. Exaltar as
virtudes é manobra esperta: a maioria se resumiu a cuidar da própria vida e,
contribuição efetiva à cidade, deram nenhuma. Mas é necessário fingir, manter o
mistério, justificar a honraria.
Muita gente se diverte pelos
bastidores com essa fábrica de homenagens. Debocham, farejam intenções ocultas
no agrado. Aqui ou ali, jocosamente, há quem se refira a um vereador ou outro
como “Zé das Medalhas”. “Zé das Medalhas” foi uma personagem de uma novela de
muito sucesso na década de 1980. Tomaram o apelido emprestado, porque traduz
com rara felicidade o sentido da pilhéria.
Às vezes, uma figura graúda – que
sequer lembra da Feira de Santana – é alçada à condição de comendador ou de cidadão
feirense. Sabe Deus se todo mundo vem receber o agrado. Alguns devem desdenhar.
Outros, atarefados, passam apressados por aqui, embolsam a medalha, fazem uns
elogios protocolares garimpados por algum assessor e vão embora.
Talvez por falta do que fazer, a
Câmara Municipal resolveu investir nessas honrarias nos últimos dias. Foram
brindadas duas personagens graduadas da República: Jair Bolsonaro, o “mito” –
aquele que chamou os governadores nordestinos de ‘paraíbas’ – e Damares Alves,
ministra, a que se notabilizou pelo episódio da goiabeira, logo no início do
governo.
“Mito” visitando Feira
O “mito” já pisou o solo
feirense? Se não, tem um bom pretexto para visitar a cidade, que fica na porção
meridional da imensa ‘paraíba’ que, para os letrados, corresponde ao Nordeste. Virá
receber a medalha. Aqui, no prédio imponente do Legislativo, poderá contar piadas
deploráveis de baiano – uma variação geográfica do ‘paraíba’ –, porque todos
gargalharão escandalosamente, encantados com seu senso de humor.
Quem sabe se não aparece um
pintor conservador – fervoroso patriota – para reproduzir a cena para a
eternidade? Poderiam optar até por um daqueles painéis imensos que, no passado,
viam-se com frequência. Traço sisudo, com todo mundo com expressão digna, à
altura das reverências ao “mito”. Imagens do gênero – coisa do século retrasado
– ainda se veem em museus espalhados pelo mundo.
Vai que, num surto de
generosidade, o “mito” resolve conhecer as belezas da ‘paraíba’ feirense?
Percorreria viadutos e trincheiras – seria necessário bloquear o trânsito para
evitar engarrafamentos –, entraria em êxtase ao saber que restam poucas árvores
no perímetro urbano e se resguardaria do calor insano em
gabinetes refrigerados cujo acesso não é franqueado à patuleia.
Concurso para Vereador
A prolífica produção dos “Zés das
Medalhas”, porém, bloqueia o debate necessário sobre os problemas da cidade. A
cada legislatura, a situação torna-se pior. Mais recentemente, elevou-se a
tendência de conceder honrarias, celebrar efemérides e esmerar-se em rapapés.
Isso costuma render muito discurso inútil. Descontando as honrosas – e raras –
exceções de praxe, não há parlamentar para conduzir um debate mais qualificado.
Servidor público – espécie que
caminha para a extinção no país das “boquinhas” – ingressa no Estado mediante
concurso público. Habilidades e competências são cobradas para o exercício da
função. Alguns processos seletivos são extremamente disputados. Esculhambam,
mas boa parte dos servidores brasileiros são muito qualificados.
Por que não se adota critério
semelhante para o Legislativo e o Executivo? Uma prova simples que ateste conhecimentos.
Depois, o candidato disputa o voto do cidadão, da mesma forma que é hoje. É
óbvio que a fórmula não é perfeita, mas o filtro ajudaria a expurgar muitas
incapacidades que sem veem por aí, abundantes.
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