Pular para o conteúdo principal

Da República das Bananas à República Velha

                                
Se eu fosse professor de História recomendaria aos meus alunos que acompanhassem, com a máxima atenção, o noticiário sobre a gestão do presidente interino Michel Temer (PMDB).  Não pelo que ele revela sobre os dias atuais, mas pelo que desnuda em relação ao passado que alguns, mais distraídos, supunham superado. A começar pelo lema escolhido: Ordem e Progresso, a máxima positivista que fez algum sucesso lá na Europa, em meados do século XIX, e que embalou os militares que, por aqui, instituíram a chamada República Velha (1889-1930).
                A composição do ministério também traz embutida, nas entrelinhas, uma lição cristalina sobre o passado: é basicamente composta por homens brancos, maduros e endinheirados. Os poucos jovens descendem da estirpe de coronéis, que chancelaram os nomes dos pimpolhos. Lembra a primeira metade do século XX, quando mulher não votava e negros e pardos figuravam na base da pirâmide social e, analfabetos, também não tinham direito a voto.
                No discurso de posse, o vocabulário antiquado, fora do uso corrente há décadas, chamou a atenção em relação à forma; quanto ao conteúdo, as promessas de “tudo para todos” sustentaram forte aderência em relação ao passado, lembrando os demagógicos comícios de outras épocas. “Medidas duras” e “ajustes” figuraram, ora como generalidade, ora como platitude, sem nenhuma densidade.
                 Ninguém mencionou, mas o balcão – essa instituição que atravessou todas as eras da política brasileira – continua à toda, com barrigas se esfregando, frenéticas, à cata de mimos e vantagens, dos dois lados. A própria composição do ministério mostrou que esse foi o principal critério empregado. Isso apesar da cômica promessa do recrutamento de “notáveis” para conduzir os destinos do País...
                A operação “Lava Jato” foi mencionada e arrancou meia-dúzia de palmas pouco empolgadas. É que, entre os ministros festivamente empossados, estavam vários encrencados com a investigação. O mote da corrupção, que alavancou a deposição de Dilma Rousseff (PT), também foi usado em 1964, contra João Goulart. Foi esquecido logo depois, ao longo da ditadura militar, exatamente como já acontece em 2016, em pleno século XXI.

                E o novo?

  E o que parece novo, paradoxalmente, guarda semelhanças com a Idade Média. É a ascensão das lideranças religiosas conservadoras – os chamados pastores evangélicos –, fieis acólitos do festejado presidente interino. Ruidosas comemorações já antecipam que esse papo de “gênero” e “diversidade” vai ser enterrado, para êxtase dessa gente. Isso é o que circula nos bastidores e que os próximos dias – ou meses – vão confirmar ou não.
                Até num ministério Michel Temer enfiou um desses pastores: na pasta de Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Caso a pujança econômica seja rapidamente resgatada, não duvido que o novíssimo presidente compareça a um desses programas de televisão para narrar o “milagre” da recuperação da economia brasileira. Secundando-o, talvez sejam vistos incontáveis fieis brandindo carteiras de trabalho assinadas. Seria o lance mais pitoresco dessa inesperada imersão no passado.
                Por fim, pululam os discursos que enaltecem o liberalismo cafona que fez muito sucesso por aqui quando o Brasil produzia apenas banana, café, cana-de-açúcar, cacau e borracha, produtos remetidos para os mercados externos. Os mais exaltados sequer escondem a ânsia de ver o País novamente gravitando, docilmente, sob a órbita da política externa norte-americana, exatamente como já foi muito mais no passado. Industrialização, diversificação da matriz produtiva e desenvolvimento científico e tecnológico não cabem nesse projeto de nação, resgatado do século XIX.
                E toda essa trama se desenrola com uma sutil semelhança com o passado que, acreditava-se, estava superado: o festejado programa de governo – muito diferente daquilo que a chapa vencedora vendeu nas eleições de 2014 – não foi chancelado pelo eleitor brasileiro. Exatamente como sempre ocorreu na triste história deste País...
               

                

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express