Pular para o conteúdo principal

Cresce o número de divórcios em Feira de Santana

               
               
A família se tornou um dos temas mais polêmicos do Brasil nos últimos tempos. Em termos de mobilização, equipara-se à crise econômica, às contendas épicas entre petistas e anti-petistas pelas ruas e ambientes virtuais, aos escândalos de corrupção, à goleada aplicada pela Alemanha na Copa do Mundo e às fofocas que pululam nas redes sociais envolvendo os famosos da vez. A comoção se deve à frenética peleja pela definição do conceito de família que ocorre em inúmeras arenas: nos parlamentos, nos púlpitos, nas ruas e salas de jantar e, sobretudo, nas redes sociais.
                O tema sempre foi espinhoso. Nos primórdios, coube à igreja – particularmente à Igreja Católica no mundo ocidental – a missão de conceituá-la, de zelar por seus valores e estabelecer os seus dogmas, que originaram inúmeros tabus. Tudo isso, conforme se dizia, a partir da inspiração bíblica. Bem depois, na Europa que emergia da Idade Média, o monopólio católico foi quebrado pela emergência do protestantismo, com seu dogmatismo particular.
                Ao largo dessas injunções teóricas a vida verdadeira foi amoldando a família, ajustando-a aos vernizes da moral e da tradição, mas, aqui e ali, expondo-a em seus múltiplos matizes. É o que ficou evidente com a colonização portuguesa no Brasil, que distendeu o conceito até os derradeiros limites da libertinagem. Dessa aventura civilizatória e da licenciosidade carnal emergiu a nação mestiça da qual, pelo menos no âmbito do discurso, alegamos nos orgulhar.
                As reiteradas lições impostas pela realidade ao dogmatismo de inspiração bíblica nunca foram suficientes para ajustá-lo à verdadeira dinâmica social. E as sisudas sentenças que defenestram tudo que foge do padrão familiar convencional – pai, mãe e filhos – seguiram se avolumando, apesar de se mostrarem visivelmente inócuas. Ultimamente, mergulhamos numa nova espiral de enquadramento febril. Até um “Estatuto da Família” foi desenterrado.
                A artilharia conservadora assenta-se no Congresso Nacional e visa, sobretudo, “combater” formações familiares não-convencionais, principalmente as chamadas uniões homoafetivas. Mas fustiga também os instrumentos legados pela modernidade, como o divórcio. Sob essa perspectiva, é mais virtuoso um casal infeliz que um par de separados, dispostos a reconstruir suas experiências afetivas.

                Feira de Santana

               Sendo assim, o divórcio é um recurso condenável sob a ótica religiosa. A realidade, todavia, demonstra que o instrumento vem sendo empregado de maneira crescente no Brasil e, também, na Feira de Santana, conforme atestam alentados levantamentos do IBGE. Obviamente, o ideal seria que os casamentos fossem voluntariamente indissolúveis: mas, à falta desse cenário idílico, impõe-se como uma necessidade para inúmeros casais.
          No longínquo 2004, foram registrados somente 185 divórcios no município. Nos anos seguintes, a tendência foi ascendente: 226 no ano seguinte e, em 2008, somaram-se 419; em 2014 veio o recorde: 988 divórcios, superando o recorde anterior, de 811 registros em 2011. Desde 2005, a quantidade nunca foi inferior a quatro centenas.
            O número de casamentos, por outro lado, distribuiu-se em torno de uma média razoavelmente uniforme entre 2004 e 2014: 2.577 registros. O recorde aconteceu em 2008 (3.006 casamentos) e o menor número da série ocorreu exatamente no ano anterior, em 2007: 2.145. No último ano da série, em 2014, foram precisos 2.504 casamentos.
         Inferências mais detalhadas com base nessas informações não são possíveis, mas as séries sinalizam para uma relativa estabilidade no número de casamentos e uma elevação – ou frequência maior – no número de divórcios. Isso significa uma tendência contínua da dissolução dos matrimônios? Certamente não. Os casamentos indissolúveis continuarão acontecendo.
Mas o que se observa é o uso mais frequente do divórcio como instrumento para a interrupção de casamentos provavelmente infelizes. Soluções do gênero não cabem nos padrões estreitos de família que deputados conservadores tentam forjar no Congresso. Exatamente como ocorria muito tempo atrás, nos sacrossantos conclaves religiosos... 

       

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express