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Feira e o Golpe Militar de 1964



               
               
Segunda-feira (31) o Golpe Militar de 1964 completa, oficialmente, 50 anos. Na prática, a quartelada ocorreu na madrugada de 1º de abril, mas os militares distorceram a História para evitar que o golpe fosse associado ao Dia da Mentira. Essa parece ter sido a primeira violação dos fatos legada pelo regime que se iniciava. Nessa semana turbulenta que aviva tantas lembranças desagradáveis, o fato mais pitoresco foi uma série de marchas em diversas cidades brasileiras, reunindo meia-dúzia de nostálgicos lastimosos, pregando um novo golpe e a implantação de uma nova ditadura.
                O grande argumento é que só os militares podem salvar o Brasil da corrupção. Como se, à época, não existisse corrupção. Ou como se as fortunas amealhadas pelos coronéis civis da política brasileira não tivessem crescido, despudoradamente, exatamente naquele período, à sombra da cumplicidade criminosa de quem apoiava a Ditadura. Isso para não mencionar muito militar que abandonou as Forças Armadas com os bolsos recheados.
                As maiores atrocidades da História da humanidade foram cometidas respaldando-se em discursos moralistas. Estão aí as ditaduras da América Latina e da África para comprovar. Estão aí o Holocausto e as duas guerras mundiais ancoradas nos argumentos da superioridade racial e de um pretenso nacionalismo xenófobo. Sempre sob a empolgante justificativa da construção de um mundo melhor.
                Ao contrário do que talvez imaginem, os verdugos da democracia brasileira apenas repisam argumentos velhíssimos e extemporâneos. Passaram a enxergar até uma inusitada ameaça comunista. Talvez seja apenas preguiça de pensar nos termos do mundo contemporâneo, muito mais complexo que os tradicionais antagonismos entre o “Bem” e o “Mal” tão costumeiramente empregados.

                A Feira e o Golpe

                Aqui na Feira de Santana, a resistência à Ditadura Militar está indissoluvelmente à figura de Chico Pinto. Prefeito eleito em 1962, Pinto conduzia um mandato popular que contrariava interesses da decadente aristocracia local. Estava entre os que cogitaram resistir ao regime pela força das armas, ainda nos primeiros dias do golpe. A aceitação quase passiva à quartelada, no entanto, provocou o recuo dos democratas feirenses.
                Deposto, Chico Pinto brilhou mesmo foi como crítico do regime na Câmara dos Deputados. Lá, seus corajosos discursos de oposição à Ditadura renderam-lhe alguns desgostos – como prisão e cassação do mandato – mas asseguraram seu lugar na História. Hoje, simbolicamente, discute-se a possibilidade de restituição do mandato que lhe foi surrupiado pelos ditadores.
                Chico Pinto, sem dúvida, pode ser considerado o político mais importante da História da Feira de Santana.  Enquanto muitos se acovardavam e outros tantos, sorrateiramente, arrastavam-se para o cômodo apoio à ditadura, Pinto manteve-se fiel à sua formação democrática. Quando se afastou da política em 1990, desistindo de concorrer a mais um mandato de deputado federal, deixou uma lacuna jamais preenchida na política feirense.

                Ginásio Municipal

                Assim, a restituição simbólica do mandato de prefeito é muito pouco. Chico Pinto, que iniciou a construção do Ginásio Municipal e enfrentou feroz oposição da elite conservadora local, merecia ter seu nome batizando uma das mais importantes escolas públicas do município. Em pouco mais de um ano de mandato, ele tocava uma gestão moderna e democrática que incomodava antigos interesses consolidados.
Na década de 1960, a Feira de Santana não dispunha de nenhuma escola pública de nível médio. Consultada, a população indicou a necessidade da obra e Chico Pinto encaminhou o projeto ao Legislativo. Os vereadores rejeitaram a iniciativa, revoltando a população que deu início a um quebra-quebra que entrou para a história política feirense. Tempos depois, a escola foi construída, sem o nome do seu principal artífice.
Passadas cinco décadas do golpe, seria bom que a Feira de Santana começasse a resgatar sua história. Rebatizar o Ginásio Municipal com o nome de Francisco Pinto seria, simbolicamente, a contribuição da Feira de Santana para a valorização da democracia cinco décadas depois do nocivo Golpe Militar que colocou o País de joelhos...


                 

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