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A reconfiguração do Centro Comercial II




                Em artigo anterior discutimos a reconfiguração do centro comercial da Feira de Santana. Nessa discussão, apontamos dois fatores responsáveis por essa reconfiguração:  inicialmente, ainda na década de 1970, a inauguração do Centro de Abastecimento desconcentrou as atividades comerciais – formais e informais – do centro da cidade, levando-as para o Parque Manoel Matias, nas imediações da Barroquinha e da avenida Canal. Outro movimento, já na década de 1990, originou o “Feiraguai”, que ao longo dos anos se consolidou como novo espaço dinâmico da economia feirense.
                Ambos, conforme indicamos, foram motivados por razões distintas, até antagônicas: no primeiro, foi o planejamento governamental e o esforço pela reorganização urbana que orientaram as ações. No segundo, o impulso foi dado pelo comércio de rua, que ocupou uma área degradada e imprimiu uma vertiginosa dinamização comercial numa praça abandonada nos fundos da Igreja Matriz.
                A inauguração de um grande shopping na avenida João Durval e o surgimento de um número expressivo de lojas, bares e restaurantes ao longo da avenida Getúlio Vargas e ruas adjacentes também contribuíram para a consolidação de um  região de comércio mais sofisticado e de entretenimento. Mais lento – essa mudança ocorre há mais de uma década – esse fenômeno se diferencia dos dois anteriores porque, basicamente, tem impulso exclusivamente da iniciativa privada.
                Transformações recentes no centro comercial, no entanto, colocam uma nova reconfiguração como fundamental, com a possibilidade de surgimento de um novo espaço dinâmico no centro expandido nos próximos anos. A causa dessa necessidade é a proliferação do comércio de rua, novamente, nas tradicionais vias do centro da cidade. Conflitos e tensões vem marcando essa relação nos últimos anos.

                Mobilidade

                A presença de camelôs e ambulantes nas ruas centrais da Feira de Santana se intensificou na última década. A escassez de oportunidades para trabalhadores pouco qualificados no mercado formal e a omissão – e até mesmo a cumplicidade – do poder público impulsionaram a reocupação do centro da cidade. Hoje, em barracas que funcionam em espaço exíguos, como na Sales Barbosa, existem até churrasqueiras.
                Assim, cresceu novamente a pressão dos comerciantes pela liberação das vias do centro tradicional. Por outro lado, consumidores e transeuntes também anseiam por mudanças que assegurem um mínimo de comodidade para quem circula pelo centro da cidade. Concretamente, pouco foi apresentado até aqui e as eventuais propostas são mantidas sob sigilo pela prefeitura.
                Experiências fracassadas ao longo dos anos mostram que as tradicionais propostas de “shopping a céu aberto” – que não passam de aquisição de barracas padronizadas que, lá adiante, acabam abandonadas – tornaram-se obsoletas e oferecem poucos resultados, já que a bagunça retorna apenas alguns meses depois.

Planejamento

O que se coloca hoje como instrumento para solucionar a questão passa pela convergência de dois fenômenos anteriormente observados sobre a dinamização dos espaços do centro da Feira de Santana:  a adoção de planejamento para a reorganização do espaço comercial – como ocorreu com a implantação do Centro de Abastecimento – e a relocação de camelôs e ambulantes, a exemplo do que se verificou em 1995, quando nasceu o “Feiraguai”.
 Cabe, portanto, à prefeitura mapear alternativas no entorno do centro da cidade e, a partir desse mapeamento, definir a relocação. Coloca-se como desejável que, dessa vez, se vá além da mera remoção de camelôs e ambulantes e se busque articular essa atividade com as demais que se exercem no entorno e, adicionalmente, se ofereça a infraestrutura adequada. Camelódromos costumam induzir o surgimento de atividades comerciais complementares e afins, como se vê com frequência não apenas na Feira de Santana, mas em inúmeras cidades brasileiras.
Semana passada, a prefeitura anunciou a construção de um shopping popular nas imediações do Centro de Abastecimento. A principal novidade é que o empreendimento será fruto de uma Parceria Público-Privada (PPP). Espera-se que não apenas a questão da relocação dos camelôs e ambulantes seja resolvida, mas que as demais condições de infraestrutura apontadas acima sejam atendidas, caso a proposta saia, efetivamente, do papel.

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