Pular para o conteúdo principal

As chuvas e o discurso das secas


Longas chuvas têm caído este ano sobre boa parte da Bahia, mudando completamente o cenário que a televisão acostumou o público a ver, com animais magros, aguadas secas e paisagem ressequida. A desolação tradicional foi substituída por animais engordando, pastos verdejantes e rios que correm, caudalosos, em algumas regiões do estado. Espera-se que o milho seja abundante nos festejos juninos e que a safra do feijão também seja boa, para ficar apenas em dois dos produtos mais tradicionais da região.

Infelizmente chuvas abundantes não constituem rotina no semiárido e o Brasil levou séculos para descobrir que não há fórmula para “acabar com a seca”, conforme se disse durante muito tempo, mas que o caminho mais adequado é o da convivência com o fenômeno, buscando adaptar a população e suas atividades produtivas ao clima local.

Em períodos mais chuvosos, muita água se acumula em açudes e aguadas, mas com a próxima estiagem os problemas de acesso a recursos hídricos se avolumam novamente. Um dos motivos é que praticamente não se utiliza a água acumulada nos reservatórios para irrigação, por exemplo. O outro problema é que muito da infraestrutura hídrica fica em propriedades particulares, de parlamentares e chefetes políticos do interior.

Há décadas o Nordeste era uma das regiões do mundo com maior número de reservatórios superficiais de água. Como o produto não era utilizado – ou a utilização não atendia a população mais necessitada – o problema da convivência com a seca nunca foi solucionado.

Indústria da Seca

A ausência de soluções adequadas produziu a chamada indústria da seca. Quando as pessoas começavam a morrer, recursos eram canalizados para atender os “flagelados”, que continuavam morrendo porque prefeitos, deputados, senadores e governadores embolsavam o dinheiro que deveria socorrer as vítimas do flagelo.

Hoje o problema é menor porque o acesso à água – pelo menos para beber e para as necessidades mais urgentes – se ampliou grandemente e porque o Brasil conta com um programa assistencial eficaz como o Bolsa Família. Com ele, tornam-se dispensáveis as “frentes-de-trabalho” e outras formas de enriquecimento ilícito empregados pelos coroneis nordestinos.

Mas, mesmo com o problema menor, soluções mais perenes ainda estão distantes. Com as estiagens perdem-se safras, os rebanhos definham ou são dizimados e o pouco capital que famílias acumulam com muito esforço se desfaz. A vida no Nordeste rural é feita de um eterno recomeçar.

Alternativas

A convivência com a seca figura nos discursos de todos os políticos, principalmente em períodos eleitorais. Todavia, muito pouco se fez e se faz para migrar do confortável assistencialismo que retorna com a próxima seca para estratégias de convivência que emancipam e tornam os eleitores mais ariscos, menos propensos a carrear votos para especialistas em tapinhas nas costas.

Estimular cultivos mais apropriados ao clima, fomentar a criação de animais e raças mais resistentes, incentivar a agroindustrialização e o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis são apenas algumas sugestões exaustivamente apresentadas, mas cuja implementação pouca gente se habilita a incentivar.

Como o maior volume de chuvas no semiárido cai de fevereiro a maio, é possível que, lamentavelmente tenhamos em breve imagens de animais magros, pastos arrasados e clima desolador. Só que, ainda assim, muitos permanecerão apegados às “grandes obras” – como a transposição do São Francisco – e a outras ficções que perpetuam o atraso no Brasil setentrional.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da