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Prefeitura inaugura nova “tradição” na Micareta

Simplesmente impressionantes as cenas da novela que marcam o reajuste da passagem em 2010 em Feira de Santana. Em janeiro, quando as tarifas subiram em Salvador e no transporte intermunicipal, indagamos se a oportunidade seria imediatamente aproveitada na cidade ou se iam aguardar as vésperas da Micareta, como aconteceu ano passado. Pois bem, o Conselho Municipal de Transportes (CMT) resolveu criar uma nova “tradição” na folia momesca feirense, marcando uma única reunião anual para, basicamente, discutir um único item: o percentual do reajuste. Justamente na quarta-feira que antecede a Micareta.

Provavelmente escaldados com a experiência do ano anterior, representantes de entidades estudantis e movimentos sociais mantiveram-se alerta e mobilizaram-se quando a reunião foi marcada. Recebi, inclusive, uma nota por e-mail, na terça-feira e até achei o tom exagerado. Ledo engano: exagerado mesmo tem sido o esforço da prefeitura em justificar o reajuste, assumindo a defesa do poderoso sindicato patronal das empresas de ônibus.

Aliás, a defesa do sindicato patronal pela prefeitura não começou essa semana. Começou com as reiteradas propagandas na tevê anunciando supostos 25 novos ônibus em circulação no município. Antes de revelar virtudes, no entanto, a publicidade revela fragilidades: mostra que ônibus novo é exceção numa cidade onde a população se locomove em veículos velhos e muito sujos.

Depois, já nesta semana, vem a nota em que a prefeitura tenta se eximir da responsabilidade pelo reajuste (“Fogem da alçada da Prefeitura Municipal de Feira de Santana as principais causas dos aumentos...”) e, ao mesmo tempo, justificar o aumento (“Elevações em custos de insumos como pneus, combustível, peças de reposição, veículos e salários não são determinados pelo desempenho da economia local”) e advertir que a freqüência agora é anual (O aumento no valor da tarifa é uma prática anual em todo o Brasil e não apenas uma peculiaridade de Feira de Santana”).

Nova nota

A manifestação que impediu a reunião na quarta-feira gerou uma reação furiosa da prefeitura. O tom da nova nota é perfeitamente cabível entre estudantes radicais, sindicatos xiitas e entre ruralistas ensadecidos, por exemplo, mas revela total desequilíbrio quando parte – oficialmente – do poder público que, em tese, deveria ser a parte mais moderada do imbróglio.

O próprio título é um contra-senso: “Violência em lugar de democracia”. Mas a própria forma como a reunião foi marcada, à revelia da sociedade e da discussão não constitui uma violência? Ou na prefeitura se presume que violência só se manifesta fisicamente? Será que não é violento pagar uma passagem cara para rodar num ônibus velho e malcheiroso?

No mais, a nota violenta nos adjetivos e tortuosa nos argumentos alega que o CMT ia se reunir pacificamente em uma reunião “rotineira”. E diz que quando havia inflação (que se aproximava de 1.000% ao ano) os reajustes ocorriam três ou quatro vezes, diferente de agora, quando só há uma reunião anual (com inflação anual em torno de 5%).

Piada

Esse ano, pelo menos, as notas que o sindicato patronal divulgava para justificar os reajustes não vão onerar a planilha de custos, já que a própria prefeitura está assumindo o encargo, defendendo bravamente os interesses dos barões do transporte público feirense.

A propósito, a primeira nota da prefeitura cita a planilha e até descreve alguns itens que a compõem. Seria interessante que a planilha – com os respectivos percentuais – deixasse de constituir segredo de Estado e se tornasse de conhecimento público, inaugurando uma época de transparência no transporte feirense...

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