Pular para o conteúdo principal

Crônicas Temerárias (III)

O modus operandi que Michel Temer e seu PMDB estão empregando para produzir o maior retrocesso civilizatório da História do Brasil já está bastante claro. O ponto de partida é, sempre, um consenso fácil, uma dessas proposições tão lógicas que ninguém, à primeira vista, consegue se opor. “´É necessário limitar os gastos públicos”, apregoa o discurso oficial que reverbera na imprensa; ou “o Ensino Médio precisa mudar”, constata-se nos gabinetes palacianos, com eco imediato junto à mídia, apenas para ficar num segundo exemplo.
Qualquer imbecil sabe que é impossível gastar ad infinitum e ad aeternum, incluindo nessa lógica os cofres públicos. Até os deputados do baixo clero conseguem entender isso. O problema não reside, necessariamente, no diagnóstico, mas sim nas controversas soluções que são colocadas como se fossem a única alternativa, a opção solitária.
Para conter a sangria nos gastos públicos o caminho encontrado é a redução nos investimentos em saúde e educação, o arrocho sobre o salário-mínimo, o achatamento e a redução dos benefícios sociais e consideráveis exigências adicionais para o acesso à aposentadoria. Em síntese, os trabalhadores e os mais pobres é que vão arcar com a “austeridade”.
Ninguém cogitou a extinção das indiscriminadas isenções fiscais, que fazem a alegria do grande empresariado; não se falou em apertar os sonegadores, que embolsam criminosamente parcelas consideráveis de impostos; menos ainda se fala em cobrança de impostos dos mais ricos, que proporcionalmente pagam muito menos que os mais pobres; e não se vê debate sobre eventuais freios às milionárias aposentadorias do habitual magote de privilegiados.
Há, claro, um tabu: o dinheiro da banca, os 40% do orçamento da União que sustentam a ciranda financeira dos multimilionários, é intocável. Podem sobrevir epidemias, crises humanitárias, necessidades sociais, descalabros econômicos, o que for: o rico dinheiro dos financistas internacionais é sagrado. Nele, ninguém toca. E é tema também que não se discute.
A encalistrada “onda azul” que varreu os “vermelhos” e suas ameaças comunistas vive dias de glória. Afinal, as cobranças por resultados ainda não começaram. Mas não tardarão: a crise está aí, os serviços públicos permanecem lastimáveis e o futuro, para o brasileiro médio, é cada vez mais sombrio. Basta entender o que está se passando para perceber que não existem motivos para esperanças.
No entanto, o presente sem cobranças, pejado de retórica vazia, explica, em parte, o êxtase impudente dos rufiões da democracia encastelados no poder. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express