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Lições da crise no Legislativo

               

O deplorável espetáculo protagonizado por centenas de deputados no processo de votação do impeachment de Dilma Rousseff (PT) na Câmara dos Deputados, em meados de abril, mostrou ao brasileiro médio quem o representa no parlamento. O regozijo grosseiro, o êxtase impudente e a vacuidade de ideias esconderam-se numa trinca de chavões – Deus, família e o torrão natal –, sob a batuta do usufrutuário Eduardo Cunha (PMDB-RJ), artífice do processo e eminência parda do novo governo. Em suma, um circo de horrores. Houve constrangimento mesmo entre aqueles que militavam pela deposição da presidente petista.
                  Durante intermináveis seis horas os oradores sucederam-se, anunciado seus votos. O processo mostrou que a política brasileira é homogênea: figuras execráveis existem dos remotos Amapá e Roraima até o Rio Grande do Sul ou o Ceará, passando por São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, os três principais colégios eleitorais do País. Muitas hipóteses tentam explicar o triste cenário político.
                A justificativa mais rasteira coloca a culpa, estritamente, no eleitor: é ele quem elege aqueles que o representam. Outros enxergam o problema no financiamento privado de campanha: para esses, o grande mal é o dinheiro privado, que corrompe e ajuda a selecionar os mais propensos à patifaria. Há também quem enxergue o problema sob uma perspectiva mais ampla, atribuindo o problema ao sistema político como um todo.
                Mudar a lógica carcomida, hoje, é improvável: quem deveria reformá-la são, justamente, aqueles que se elegem sob ela, seus beneficiários. O sistema político conduziu o Brasil à tutela do baixo clero, que dava as cartas sob o petismo e que, agora, ascendeu ainda mais vitaminado com o PMDB de Michel Temer, embora a imprensa venha “esquecendo” esse detalhe.

                Câmara Municipal

                Essa lógica carcomida não alavanca apenas aqueles que são eleitos para o Planalto Central: corrói também as assembleias estaduais e se distribui, democraticamente, pelos mais de cinco mil municípios brasileiros. Feira de Santana, como todos sabem, não iria passar imune a esse processo. A atual legislatura na Câmara Municipal não era objeto de uma avaliação simpática nem quando foi eleita, em 2012. O passar dos anos apenas confirmou a impressão desfavorável.
                Um exemplo é que, nesses mais de três anos, pouco se discutiu as questões relevantes para a vida da cidade. O transporte público, envolto numa infindável sucessão de crises – que resultou inclusive numa paralisação completa dos serviços, que se arrastou por dez dias – nunca recebeu a atenção dos vereadores. O que se fez de mais audacioso foi ensaiar uma CPI, que acabou refugada dias depois, sem maiores explicações.
                Por outro lado, a reivindicação de mais privilégios foi constante. Melhores condições de trabalho – a exemplo de mais carros e mais assessores – foi tema recorrente. Nesse 2016, a propósito, lá nos estertores do atual mandato, a atual Câmara Municipal deve se conceder mais um reajuste generoso, como ocorre em todos os finais de mandato. Em 2012, a propósito, o aumento foi tão escandaloso que virou notícia nacional. Tudo sinaliza que, lá em outubro, o espetáculo se repetirá.
                A educação na Feira de Santana claudica: estão aí os indicadores nacionais para comprovar; na saúde, o atendimento costuma ser ruim, isso quando há atendimento; incontáveis buracos tornam a vida de pedestres e motoristas um inferno; e os transtornos no trânsito seguem imensos, mesmo com a redução do volume de carros pelas ruas, em função da crise econômica.
                Mesmo assim, se fala pouco dessas questões no legislativo feirense. Produção, mesmo, só para a concessão de títulos e honrarias ou para decretar a utilidade pública de alguma instituição anônima.  Sem dúvida, o nível da Câmara Municipal está muito aquém das necessidades da Feira de Santana. Resta esperar pelas eventuais mudanças de outubro. Caso hajam.

               
  

                  

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