Arrisco sem
medo de errar que, desde 1964, o Brasil não vive um momento político tão conturbado
quanto agora, neste 2015 que finda dentro de duas semanas. O ano, a propósito,
é tão singular que não vai acabar, prosseguindo por 2016. Afinal, a severa
recessão em curso vai se estender, no mínimo, até o final do próximo ano. E a
crise política cada vez mais se aprofunda, com um roteiro que desafia a
criatividade de qualquer ficcionista. O último lance surpreendente foi o pedido
de impeachment contra a presidente Dilma
Rousseff (PT) acatado pelo presidente da Câmara doa Deputados, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), justamente quando os rumores sobre o afastamento começavam a
arrefecer.
Lembro
que, em 1992, participei de uma das passeatas pelo impeachment de Fernando Collor no centro da Feira de Santana. O
então presidente, a exemplo de Dilma Rousseff, via-se às voltas com uma
profunda crise econômica e ostentava índices de popularidade baixíssimos. As
semelhanças, a meu ver, param por aí, sobretudo em relação à correlação de
forças: se Collor pelejava sozinho, a presidente petista conta, ainda, com
significativo apoio do seu partido, de sindicatos e de movimentos sociais.
Imagina-se
que, nos próximos dias, os governistas mobilizarão suas bases para ir às ruas,
argumentando que o pedido de impeachment
em andamento trata-se de um golpe. Por outro lado, os adversários já planejam o
mesmo para este domingo, tentando recobrar o fôlego exibido nas primeiras
manifestações, no início do ano. Encher as ruas, portanto, é estratégia
fundamental para conquistar corações e mentes.
Todavia,
enquanto oposição e governo se engalfinham, a recessão se aprofunda.
Seguramente, não se atravessa situação semelhante desde a década de 1930, mas
aí com uma diferença fundamental: fortemente atrelado aos mercados externos, o
Brasil enfrentou aquele calvário como desdobramento da Grande Depressão de
1929. Hoje, as turbulências externas não justificam, no todo, o desempenho
deprimente da economia brasileira. O consenso, porém, esbarra aí: até agora,
não existe análise econômica que não esteja contaminada pelo cenário político.
Expectativas
Amedrontado
com a recessão, acossado pelo fantasma do desemprego, mordiscado pela inflação
voraz, fustigado pelo juros extorsivos e espoliado pelos impostos indecentes, o
brasileiro não consegue enxergar saída para a crise no momento porque,
simplesmente, ela não existe: será necessário aguardar o fim do processo de impeachment – seja qual for o resultado
– para que, a partir daí, se pense em soluções para o imbróglio econômico. Isso
se for possível.
Lastimavelmente,
já se percebe que não existe solução no curto prazo: depois da estagnação do
Produto Interno Bruto – PIB em 2014 (alta de 0,1%), enfrentaremos duas
temporadas atrozes: queda estimada de 3,5% em 2015 – é o que aposta o mercado –
com novo tombo em 2016, já inicialmente dimensionado: -2,3% nos próximos doze
meses. As esperanças de retomada, portanto, devem ser postergadas para 2017.
O
mais angustiante, porém, não é a crise em si: é a completa falta de perspectiva
no médio prazo. Enquanto a economia afunda, as intriguinhas palacianas
efervescem; enquanto o desemprego cresce, os conchavos de bastidores pululam;
enquanto os serviços públicos se deterioram, a classe política amplia seus
privilégios; enquanto o cidadão labuta para assegurar a subsistência, o
dinheiro público escoa pelas insaciáveis sarjetas da corrupção.
Seria
bom que o espírito leve do Natal encerrasse 2015, com esperanças de um 2016
melhor para todos. Infelizmente, as infindáveis crises gêmeas – econômica e
política – vão furtar, até mesmo, esse modesto conforto do brasileiro. Com o pedido
de impeachment à mesa, é provável que
os ânimos políticos se acirrem e não se duvide que o desempenho da economia
seja ainda pior que o estimado, lançando o País às raias do descalabro. A
conferir.
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