Pular para o conteúdo principal

Antecipação do debate eleitoral



Há alguns dias começou no Congresso Nacional a discussão sobre a reforma política no Brasil. Atrasado em muitos anos, o debate surge em um momento muito pertinente e, embora o processo eleitoral no país tenha avançado em relação àquilo que foi instituído logo após a redemocratização, muita coisa ainda precisa avançar e alguns problemas que crescem e se avolumam precisam ser contidos, sob o risco da administração pública se inviabilizar no médio prazo.
Uma das coisas que precisa ser repensada é o calendário eleitoral. Eleição a cada dois anos é excelente para os políticos – principalmente os que são derrotados nas urnas, pois em dois anos renovam-se as esperanças de sucesso –, excelente para os marqueteiros que vendem campanhas, muito bom para as gráficas que imprimem “santinhos”, mas um desastre para a administração pública, o que se reflete na qualidade dos serviços prestados aos cidadãos.
A tendência de antecipar eleições vem se acentuando nos últimos anos. Em 2010, por exemplo, mal se encerrou a apuração e as especulações para 2012 começaram. Na Feira de Santana, praticamente todos os principais líderes políticos já manifestaram a intenção de se candidatar à prefeitura no próximo ano. Isso ainda no mês de março.
Se houvesse apenas manifestação de interesse, menos mal: o problema é quando a gestão pública começa a se ajustar ao barômetro eleitoral e as decisões administrativas são tomadas com os olhos voltados para a composição política e para eventuais humores do eleitorado. Aí as coisas se complicam.

Problemas

O mais evidente dos problemas é a grande instabilidade gerada na estrutura administrativa. Se há uma briga com o cacique fulano, exonera-se beltrano; Se surgem entendimentos com o cacique sicrano, então é necessário acomodar seus indicados em um posto qualquer. Se dois caciques têm a mesma ambição e compõem o mesmo governo, começa a guerra não declarada e os governos saem dos rumos.
O grande drama é que esses conflitos não se limitam às habituais incontinências verbais dos caciques: mudanças motivadas por acordos políticos se refletem no andamento das ações de governo, que param ou se tornam lentas enquanto os novatos se adaptam. O resultado é ineficiência, desperdício do dinheiro público e serviços precários prestados ao público.
Se as instabilidades se restringissem aos períodos eleitorais – e se as eleições ocorressem apenas a cada quatro anos – o prejuízo para a sociedade seria menor. Com eleição a cada dois anos a situação piora e quando o clima eleitoral se torna perpétuo, como nos últimos anos, a situação caminha aos poucos para o caos.

Gestão

Engraçado é que, durante as campanhas no rádio e na televisão, só se fala em gestão. Todos os problemas do Estado – inclusive a escassez de recursos em determinados setores – se resumem à retórica gerencialista de que tudo não passa de um problema de “gestão”. E quem apregoa se apresenta, sorridente, dizendo que só ele é capaz de fazer uma “gestão eficiente”.
Essa gestão eficiente começaria bem sem a antecipação do debate eleitoral. Principalmente entre aqueles que estão desempenhando funções executivas. Afinal, foram eleitos e são remunerados para administrar o bem público, não para articular o próximo pleito ou garimpar aliados.
Já os políticos desempregados deveriam conter a própria gula. E, se tivessem essa capacidade de gestão toda, desprendimento de espírito e o amor ao povo que tanto alegam, aceitariam com mais serenidade o resultado das urnas e permitiriam que os eleitos, pelo menos, tentassem trabalhar.
Não é o que se vê no noticiário. Tudo é motivo para afirmações enérgicas, exaltação dos próprios feitos e declarações de amor ao povo e ao lugar em que vivem. Pura bílis eleitoral, que poderia ser contida até a próxima eleição...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express