Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de junho, 2012

Lembranças de Havana (IX)

                        Há muitos anos, num desses debates de mesa de botequim, quando ainda militava no movimento estudantil, formulei uma ideia que considerei, de imediato, brilhante e original: a devoção ao socialismo, entre muitos, não se diferencia enormemente da devoção religiosa. Muda apenas a natureza da veneração: abandona-se o abstrato e se recai sobre o real; saem de cena os anjos e os santos e entram os sisudos profetas do socialismo: Lênin para todos, Stálin para alguns e – pairando como vértice principal da Santíssima Trindade profana – o velho Marx.             É óbvio que a ideia não foi bem recebida: houve rejeição sob protestos veementes, gestos encolerizados, dúvidas sobre minhas convicções socialistas. É óbvio, também, que a formulação não tinha nada de original: estava atrasada em algumas décadas, para meu pesar, conforme descobri depois. Essa imagem, no entanto, nunca me saiu da cabeça.               Reencontrei-a quando contornei o Museu da Revolução,

Lembranças de Havana (VIII)

            Quando criança escutava, horrorizado, os relatos de que Fidel Castro mandava fuzilar, incontinenti , quem se dedicasse a rituais religiosos na ilha que governava com mão de ferro. Ás vezes, lá pela década de oitenta, via no noticiário que um padre ou um frade fora preso porque falava mal do regime; ou porque denunciava torturas de presos políticos a mando dos comunistas que controlavam Cuba.             Nas andanças por Havana, pude observar que prevalece um sincretismo religioso semelhante àquilo que se pratica na Bahia e em outros lugares Brasil afora. Batistas, católicos, os chamados neo-pentecostais e religiões de matriz africana coexistem na ilha embora, aparentemente, não haja enorme entusiasmo pelas igrejas.             Na Havana antiga existem muitas edificações religiosas: conventos católicos que atraem cliques dos turistas; igrejas suntuosas erguidas no apogeu da dominação espanhola; e, mais recentes, templos batistas provavelmente legados pelos norte-

Caos no sistema de transportes brasileiro

                                    Nas últimas duas semanas algumas das principais cidades brasileiras mergulharam no caos com uma onda de greves no transporte público. Em São Paulo, mais de quatro milhões de paulistanos enfrentaram dificuldades para chegar ao trabalho com a paralisação no metrô; em Salvador, os sindicalistas atropelaram uma determinação judicial e mantiveram 100% dos ônibus nas garagens, o que praticamente inviabilizou a locomoção dos soteropolitanos numa cidade habitualmente marcada por problemas de mobilidade e que, sequer, dispõe de um metrô calça-curta de meia-dúzia de quilômetros.             As greves, muito bem orquestradas para os padrões tradicionais, levantaram a suspeita que a classe patronal associou-se aos rodoviários para instituir um jogo de ganha-ganha: os rodoviários recebem aumento salarial, os sindicalistas se cacifam para as eleições municipais e os patrões abocanham um suculento reajuste apontando as inevitáveis dificuldades de caixa.

Jornalismo “Mundo-Cão” ganha espaço

  Embora pouco se fale atualmente, o fato é que o surgimento e a expansão da Internet mudaram o perfil dos telespectadores brasileiros e, provavelmente, de boa parte do mundo. A principal mudança é o tempo de permanência à frente dos aparelhos de televisão: antes – quando ainda não havia Internet – eram mais de quatro horas diárias, em média; hoje esse número caiu para pouco mais de duas horas. E, sem dúvida, a tendência é que permaneça caindo. É mais do que óbvio que boa parte dos jovens pouco recorre à televisão, optando pela tela do computador e por suas infinitas possibilidades. Isso também é aplicável às pessoas com nível cultural mais elevado e por aqueles segmentos da população com maior poder aquisitivo. Até aí, nenhuma novidade. O que há de novo na televisão são as mudanças na programação, que constituem, inclusive, tendências que vão se consolidando. Como quem permanece à frente da tevê, provavelmente, tem mais idade, menor nível de escolaridade e pertence às classes

Dados sobre a pobreza rural na Feira de Santana

                       Algumas informações referentes ao Censo 2010 na Feira de Santana vem sendo divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e sinalizam para intervenções necessárias para elevar a qualidade de vida da população. Algumas inferências são quase intuitivas e, a rigor, não trazem grandes novidades, à exceção da quantificação do tamanho de determinados problemas. É o caso, por exemplo, da correlação que existe entre nível educacional e renda: numa cidade com 38 mil analfabetos em 2010 e baixa escolaridade, a renda média domiciliar não passava de R$ 514 em 2010. Algo bastante previsível, diga-se de passagem. O Censo, no entanto, ajudou a evidenciar determinados problemas enfrentados pelos feirenses. É o caso da desigualdade na distribuição de rendimentos entre homens e mulheres: enquanto o rendimento médio masculino alcançava R$ 550, o feminino não ia além dos R$ 510, em valores do ano de 2010. As tão comentadas desigualdades verificada

O aeroporto e a reconfiguração logística da Bahia

                        Há alguns dias a prolongada novela da reativação do aeroporto de Feira de Santana ganhou mais um capítulo. E, pela sinalização, um capítulo que pode entrar no rol dos decisivos, já que até mesmo o nome de uma companhia aérea interessada em operar no aeroporto feirense foi divulgado sem grandes tergiversações. O próprio governador em exercício e secretário da Infraestrutura, Otto Alencar, compareceu à audiência que praticamente definiu a reativação do equipamento.             Desde os anos 1980, quando foi inaugurado, que o aeroporto carrega a triste sina de servir apenas para o pouso eventual de aeronaves de pequeno porte. Entre os usuários figuram políticos em trânsito – governadores que visitavam a Feira de Santana, principalmente – e um ou outro empresário. Assim, durante mais de um quarto de século, o equipamento ostentou a condição de “elefante branco”, embora permanecesse pouco visível na periferia da cidade.             Em parte, o contexto econ

A seca e as políticas de transferência de renda

  Quase todos os dias os jornais, as emissoras de rádio e televisão, os sites e os blogs vem noticiando os efeitos da seca que assola o Nordeste, particularmente a Bahia, onde mais de 200 municípios já decretaram situação de emergência. A estiagem, considerada a mais rigorosa nos últimos 30 anos, arrasou plantações, vem dizimando rebanhos e provavelmente vai gerar impactos sobre diversos municípios baianos, cujas economias dependem da agricultura e da pecuária. Sem chuva, quem mais padece é a população rural, mais pobre e mais exposta ao fenômeno. Um dado positivo, no entanto, deve ser ressaltado: pelo menos até aqui, apesar de todos os problemas indicados pela imprensa, não há registros de mortes em função da seca. Situação muito diferente do que aconteceu entre 1979 e 1983, quando um número nunca determinado de nordestinos morreu de fome e de sede. Para os governadores da época – boa parte entusiasta da Ditadura Militar em vigência – morreram 100 mil pessoas no período, s

Ecos da Lavagem do Bonfim

                                    Dizem os filósofos da política baiana que a Lavagem do Bonfim é o primeiro termômetro em ano de eleição. Na caminhada de oito quilômetros entre as igrejas da Conceição da Praia e do Bonfim, normalmente sob o sol escaldante dos finais de manhã de verão, os pré-candidatos testam a popularidade distribuindo sorrisos, apertando mãos, envolvendo o eleitorado em largos abraços e, em alguns casos, ouvindo vaias e apupos de eleitores insatisfeitos. O mais comum, no entanto, é o abraço entusiasmado de quem promete marchar com o candidato da vez. Cordato por natureza, o povo baiano não é muito dado às manifestações de insatisfação. Essas não costumam ser frequentes: a mais recente delas já tem uns três anos e envolveu o prefeito de Salvador, João Henrique Carneiro e só repercutiu junto à imprensa porque o alcaide da capital, de forma surpreendente, abandonou o cortejo depois de ser vaiado por populares. À época, pra variar, atribuiu os apupos à mil

...E algo se moveu no Carnaval da Bahia

... E finalmente alguma coisa começa a se mover no previsível Carnaval da Bahia. O que nos anos anteriores era apenas uma renitente reclamação de uns poucos artistas, reféns de um passado romântico e distante, ganhou o centro das discussões em 2012 e até mesmo algumas estrelas da música baiana decidiram desfilar em trios sem as tradicionais cordas. Claro que não foram movidos por altruísmo ou por convicção ideológica: fizeram-no por força dos generosos patrocínios privados. Foi o suficiente, no entanto, para se deflagrar uma discussão sobre a renovação da festa, cujo modelo se encontra esgotado há anos, incluindo a possibilidade de incorporação de um novo circuito já em 2013. Esse repensar do Carnaval alcançou, inclusive, o Rio de Janeiro, que nos últimos anos vem incorporando mudanças à folia momesca. As cordas começaram a se tornar protagonistas do Carnaval de Salvador quando os bailes dos clubes sociais entraram em declínio, junto com os próprios clubes. Como as classes

BR 324 e Anel de Contorno: os problemas continuam

                        Muito papel e muita saliva já foram gastos para exaltar o momento econômico vivido pelo Brasil, cujos níveis de crescimento não se verificavam desde a década de 1970. Na sucessão presidencial, por exemplo, a situação ressaltava as realizações recentes e a oposição calava-se, buscando concentrar a discussão em temas secundários, subjetivos ou irrelevantes, já que o bom momento vivido pela economia do país é incontestável.             Aqui ou ali a questão da infra-estrutura – indispensável para sustentar as atuais taxas de expansão – foi tocada, mas muito tangencialmente. A novidade em 2010 ficou por conta da promessa de Zé Serra de construir um metrô na Feira de Santana. Isso figurou nos primeiros dias da campanha, sendo posteriormente retirado das inserções televisivas, o que ajudou a colar nele o rótulo de “Zé Promessa”.             Também se falou muito no aeroporto que, finalmente, parece que está sofrendo algumas intervenções. Os três principais

Eleições emocionantes, mas sem novidades?

Tradicionalmente no mês de abril a vida da Feira de Santana entra em pausa para que o feirense possa se dedicar à folia momesca. Aqueles que não são adeptos da festa aproveitam os dias de folga para viajar ou permanecer em casa descansando, mas há também quem faça opção por retiros religiosos. Muitos outros passam os quatro dias de festa no circuito, exercendo as mais diversas ocupações. O fato é que a trégua festiva, quase sempre logo depois da semana de Páscoa, torna o mês significativamente mais curto. Em 2012, no entanto, a Micareta vai ser mais que uma oportunidade do feirense aliviar as pressões do dia-a-dia dançando atrás do trio elétrico, esvaziando sucessivas latinhas de cerveja, degustando a ampla variedade de petiscos ofertados no circuito ou, simplesmente, beijando quem se disponha a beijá-lo. Na festa, os termômetros políticos estarão a pleno vapor, aferindo as inclinações dos feirenses para as eleições municipais de outubro. O atual prefeito, Tarcízio Pimenta, sai